Heliópolis

Uma distração no seu fim de tarde, um remédio para a sua diária falta do que fazer, uma exceção dentre todos os outros blogs - por um lado, muitíssimo pouco criativo, mas por outro, ahá!, cheio de uma humildade contagiante e uma ironia sem igual (au, au).

3.8.07

relva

Contrariando os que têm sempre um relógio conduzindo o destino e um fone de ouvido distraindo a atenção, desmentindo os tipos usuais de pessoas que se irritam com a solidão, bufando e batendo o pé, eu digo, sujeitando-me a risos sarcásticos abafados e oposições impetuosas: o tédio não existe. Não para quem sabe apreciar a companhia das árvores e imaginar desenhos nas nuvens, observar as pessoas e suas particularidades e relembrar o passado. O tédio é um substantivo inexistente no vocabulário de pessoas que caminham sem se preocupar com o sol ou a chuva e preferem observar a falar, respeitar a ignorar.

Aqueles que não conhecem o tédio: eu os saúdo.

10.4.07

triste fim?

Textos novos provavelmente nunca mais. O senhor dono do heliópolis está perdendo totalmente a sanidade mental e é incapaz de escrever um texto impessoal e bem-acabado. Apreciem os do passado.


Derradeiras reverências à Cecília Meirelles, à tranqüila e perfeita estação Jardim São Paulo do Metrô, à editora L&PM e às pessoas que dão tchau e entendem que isso é sinônimo de civilidade. Tchaaau, vida. Adeus, visitantes. Até nunca mais. Dias melhores nunca virão.


atualização: é, eu acabei voltando.

1.4.07

caninos brancos e um aperto de mãos

Transanteontem barraram-me na rua - em algum terminal de ônibus qualquer, leia-se. Coisa rara de acontecer, coisa difícil de se aturar. Mas nesta ocasião foi diferente: distinto era o 'locutor', favoráveis eram as circunstâncias. Mesclando teorias de conspiração a dignos relatos de uma vida experiente, o psicótico-barbado acabou conquistando minha simpatia e impressionando-me até o âmago de minhas tripas. A julgar pelo seu estranho devaneio de enxergar guardas obscuros de Atlântida em simples fiscais de amarelo, ele deveria ter há pouco escapado de algum sanatório das redondezas.

Ivan era seu nome. Fitava-me com olhos frenéticos e assassinos e tinha um tique involuntário que repuxava seu lábio superior para a esquerda. Uma alma perturbada com um passado abundante e cultura singular. Não estava bêbado ao afirmar ser um sargento reformado do exército; não, não estava. E sua voz firme não deixou dúvidas quando disse que sua irmã morava nos Estados Unidos e falava sete línguas diferentes.

Após longos minutos de conversa, depois de me aconselhar sobre o maldito alistamento militar, ele pediu para ver a palma da minha mão. Não sabia o motivo, mas tampouco hesitei. Sob olhares atentos de um atarracado executivo e uma indistinta dona-de-casa, ele proclamou "médico!" em alto e bom som, soltando em seguida a mão que sorrateiramente voltou ao seu hábitat natural - o largo bolso.

Esperava ter que dar alguns trocados por tão preciosa sessão de profecias. Mas não pediu um centavo sequer, não deu um único cartão ou panfleto, afastando-se após um rápido e tímido aperto de mãos em seus trajes bem cuidados.

Abraço, caro Ivan, bedel da FMU. Você escreveu momentos e minutos interessantes no livro da minha vida. Espero e não espero te encontrar mais: sua vida me causa grande interesse, seu olhar cortante e seus caninos brancos provocam-me insondável medo.

25.3.07

mercúrio

E como num devaneio impossível de redemoinhos coloridos, ao som dos pássaros e cercado pelo farfalhar incessante das folhas tristonhas, falar de você e de mim e de nós, dos livros de um e filmes do outro. Num sonho bom ouvir o seu sim seguido do meu, um reflexo dourado do sol que se põe na sua mão envolta por tecidos em renda branca, rainha do meu viver.

Espreitar-me à sua volta, esperar pelo seu regresso, saldar-te num silencioso aceno.
Mudo e louco, misantropo é pouco!
Por ti, enfrentar todos os sanatórios e infernos é pouco!

É pouco, é pouco!

23.3.07

ao crepúsculo

Os tempos de imensurável revolta são outros, esvaíram-se junto com outras revoltas igualmente descartáveis e inúteis. Mas a pequena e incômoda insegurança em relação ao meu nome ainda encalça as minhas pegadas e me atormenta a alma, causando-me um mal-estar singular e abalando as estruturas da minha tão tênue e instável auto-estima.

Nada justifica a concedida e não-consentida ofensa gratuita de possuir um 'homônimo' cintilante infinitamente mais notável, nada alivia a vergonha de não fazer parte do turbilhão de nomes comuns e de fácil digestão. Só de imaginar-me escrevendo 'Hélio' sobre linhas pontilhadas de toda sorte de documentos, numa grafia obediente e formal, tenho ânsias de correr e zarpar e correr e sumir. Que droga!

Mamãe e papai tiveram mau gosto e provocaram desgosto. Por que não Gabriel, sete letras que exprimem uma perfeição lírico-harmônica incapaz de ser atingida por qualquer outro nome masculino? E por que não Carlos, Fernando, Cristiano, Henrique, Flávio, Caio, Ivan ou Justino? Do franco trono dos nomes preferidos meus, Hélio definitivamente está muito distante.

Eu falei no primeiro parágrafo que a minha revolta havia se dissipado. Mas o texto inteiro é tão-somente repleto de raiva! Perdoem-me, mas nem a escala Richter seria capaz de precisar o nível do abalo que tais recordações e assuntos me provocaram. Acabei saindo dos trilhos e seguindo minhas emoções. Escrever este post ressuscitou a fera que fora assassinada a pauladas, acordou a Preocupação após anos de hibernação. Amanhã mesmo mudo meu nome para Gabriel.
Ah!

16.3.07

dois pontos

Que engraçado e lamentável, que revoltante e insuportável: justamente as mesmas pessoas que xingam e menosprezam a sorridente flor são as únicas que, por ironia do destino, interagem com ela. Gargalham, mas xingam-na de puta. Tocam-na, mas riem não com, mas dela.

Desprezível. Desprezíveis, digo.

10.3.07

jovem dama

Sob um azulado céu limpo de nuvens, numa manhã agradável de começo de março, deparei-me na rua com um exemplar usual de garotinha loira de olhos verdes - traços europeus, talvez escandinavos, no esplendor dos seus cinco anos de idade, acompanhada de sua avó e irmão. Tinha a pele branca, a tez pálida e um jeito extremamente frágil de agir e olhar. Suas mãozinhas delicadas e graciosas, seus pezinhos envoltos por sandálias minúsculas e seu rostinho em miniatura tomavam conta do meu ser. Se eu tivesse a idade dela, logo tornar-me-ia seu amiguinho e repartiria brinquedos e lanches com a máxima satisfação. Mas na qualidade de um insignificante transeunte pude apenas sorrir, admirado, desejando do fundo da alma que me fosse reservado futuramente a felicidade extrema de ter uma criança que me chamasse de pai.

Ouça, pequenina, o que a minha pessoa gostaria de te falar, mas por circunstâncias óbvias não pôde: tenha uma vida cheia de momentos alegres e bons, marcantes e belos! Pense em mim no instante último da sua existência, garotinha meiga e pálida de olhos verdes, porque de hoje em diante você faz meus dias mais felizes, minhas auroras mais brilhantes, minha vida mais completa! E que um dia saiba que seus corajosos porém amedrontados olhos foram inspiração para um texto que sucumbirá desconhecido antes mesmo que tenha aprendido a ler!

Crianças são adoráveis, todas elas. E eu tenho saudade de ser adorável.

5.3.07

é

“Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Aaaah.”


Extraído da mente de Henry K. durante o trajeto escola-Santana-casa. Todos os direitos reservados.

23.2.07

Eles!

Um sebo. Há tempo? Entro. Vasculho sem ajuda pelas prateleiras empoeiradas, um singelo transeunte curioso entre avenidas de moradias verticais. Por todos os lados do paraíso-sem-anjos tentações pecaminosas apresentam-se em forma de livros velhos, grandes, novos e bonitos - livros com dedicatórias, com biografias próprias. Nesse refúgio da realidade barulhenta e poluída, por entre infindáveis laudas impressas, caminho vagarosamente, deparando-me ocasionalmente com livros caros e desejados, conhecidos e já lidos. Atchim!

Ali Steinbeck, aqui, nossa, Graham Greene, acolá Dumas filho e ali em cima Turguéniev. Dois Lolita, três Amor de Perdição, quatro Suave é a Noite, cinco Werther. Inúmeros Grishman, infinitos Sheldon, quantos Roth! Nenhum Mrs. Dalloway, Beckett em falta, nunca vi nenhum McEwan! Tem Hemingway? Aquele do Dráuzio Varella! Hilda Hilst? É! ...algum da Lispector, por favor.

No caixa, peço desconto. Se for o moreno melancólico e misantropo, um, dois, três reais a mais na carteira. Se não, tudo bem, o céu ainda está lindamente sem nuvens hoje. Efetuada a aquisição, sigo pela esburacada rua - a mochila mais pesada, as mãos nos bolsos e uma grande mistura de alívio e felicidade - em direção à minha casa.

...E na estante caprichosamente organizada eles ficam, para serem contemplados, manuseados, relembrados. Numa paciência inverossímil, por afeto e atenção esperam.

Bom, espero conseguir ler todos os livros que estão na minha lista de espera ainda esse ano.
aaah.

14.2.07

lá embaixo

Há dias em que tenho sorte, e a comitiva de vultos sem rostos disfarça-se sob a forma de um triste e silencioso funeral de um ente querido coletivo: todos quietos, imóveis, aflitos, fitando-se uns aos outros e olhando desoladamente para o teto de flancos translúcidos. Mas em compensação há dias em que o bom-senso desaparece, e jovens com vozes estridentes tentam concentrar toda a atenção para si, gesticulando e gargalhando exaltadamente. Fechar os olhos, estalar os dedos e bufar de indignação não os fazem dar-se conta do incômodo que causam.

Mas hoje foi um dia de sorte. Tudo estava calmo e confortável. Pessoas civilizadas ocupando um espaço comum davam uma lição de educação aos baderneiros, fúteis, emos e idiotas que se acham.

À minha esquerda, um rapaz de pólo cinza, cabelo escasso e mochila no colo lia Recordação da Casa dos Mortos numa edição recém-lançada pela editora Martin Claret. Após descer na sua estação, sentou em seu lugar uma jovem de traços infantis e franja precisa, que tinha braços finos dourados pelo sol, brincos exóticos que balançavam graciosamente junto com o movimento do vagão e um rabo-de-cavalo caprichosamente bem feito. Mantinha as pernas cruzadas, seus óculos eram de armação simples. Calçava tênis esportivos brancos e vestia um despretensioso blusão azul-marinho claro com uma cinta bege. Segurava um livro com as duas mãos, e pude perceber de longe que lia As Travessuras da Menina Má. Atendia o telefone com a mão direita e demonstrava impaciência balançando o pé esquerdo. Tinha cara de Mariana, e desceu em Santana.

À minha frente, uma garota com pequenas e formosas cicatrizes (de uma longínqua catapora contraída na infância, talvez) na têmpora direita se dispunha de modo oblíquo. Aparentava vinte e cinco anos e seis meses ou mais e sustinha uma grande bolsa nas costas, cobrindo as ancas. Seus cabelos parcialmente loiros não consentiam que eu visse, ao menos por um instante, seus olhos castanhos-escuro. Vestia por baixo de um curto terno feminino uma camisa verde-maçã, conservava no braço direito uma pulseira módica e calçava sapatos femininos sem salto. Apoiava o peso do corpo na perna esquerda e tinha mãos de quem trabalha muito e dorme pouco. Permaneceu durante seis estações no vagão e foi embora para sempre sem olhar para trás.

Mais ao fundo, um velho executivo de gravata escarlate e sapatos brilhantes encarava um careca com uma camisa do Palmeiras à sua frente. Um estudante universitário cedia seu lugar para uma grávida com colar prateado exuberante. Um casal de idosos repousava, serenamente, em um banco a eles reservado, cada um apoiando-se em suas respectivas bengalas. Um indistinto sujeito em trajes comuns, carregando uma mochila cheia de mudas de roupa, olhava para o seu reflexo no vidro.

E, entretido nessas observações de tipos tão distintos, espantei-me por ter chegado ao meu destino tão rapidamente.

13.2.07

o Estrangeiro

O telefone toca, as portas batem, os pássaros voam para longe. E num pandemônio de fenômenos inexplicáveis entra em cena, surgindo junto com a aurora, ele, o Estrangeiro.

Tinha gostos e impressões irremediavelmente diferentes de todos que o cercavam. Seu jeito não era tolerado, poderia ser repreendido ao menor e precipitado movimento. Contorcia-se violentamente com as constantes injúrias a tão-somente ele dirigidas, advindas dos cortantes e frios olhares que penetravam na carne e dissecavam os ossos. No país onde quieto significava chato, ninguém sabia ou tinha interesse em saber o seu nome; como um reles e irrelevante intruso era conhecido.

O Estrangeiro não falava, e tampouco sabia a libras. O Estrangeiro não tinha passaporte para o clã da futilidade expressa, e tampouco o queria. Ele agiu por instinto, sem pensar, ao escolher aquele lugar para desembarcar.

Desconexas imagens se revezavam na mente do Estrangeiro, numa síntese conformada de perdas e saudades, quando, à espera de condução para casa, ocasionalmente cismava - um aceno de mão num dia chuvoso e triste; três pessoas brincando no escuro total; risadas em períodos de iminente perigo islâmico; olhos marejados num corredor atarracado e mal-iluminado; letras vermelhas num pedaço de papel; um Frederick Forsyth nas mãos de uma transeunte de trejeitos tímidos; uma partida de futebol; a relva molhada a encharcar-lhe os calçados.

E, por ver futuro não muito promissor, ele desejou, fraco como era, mudar de país. Por que ele escolheu o inferno, quando ao seu horizonte fulgurava promessas de grandes leituras e perspectivas, de ensolarados porvires em companhia dos anjos?

3.2.07

cisma

[essa é uma boa hora pra conversar com ela. eu ainda não abri a boca! ela não é adivinha, se eu não falar ela não... mas, droga, ela vai pro sentido contrário. ela não descia sempre na W.? e justo quando eu ansiava pela sua companhia, faz tanto tempo que não a vejo! será que seria muito idiota me prontificar a acompanhá-la até o seu ponto final? será que ela ficará bem, chegará sã e salva ao lar? e será que essa bolsa não está muito pesada, e esse vento muito propenso a refriá-la? e... que tal perguntar se ela gostou dos filmes, e me justificar por não ter comido aquele pão que aparentava estar ótimo!? e tem o livro! como eu gostaria de dizer que o adorei, e que esperava que ela gostasse também! que eu, na ânsia de entregá-lo em perfeitas condições, folheei página por página à procura de alguma lauda fugidia, limpando, no fim, a capa e a contra-capa já de olhos marejados.. como é difícil falar, e falar que tive saudades, que gostaria de ter experimentado um pedaço daquele pão celestial, que gostei mais do segundo filme, que achei a parte final do livro maravilhosa, que sonhei com ela anteontem, ... e que me jogaria nos trilhos lá embaixo se ela pedisse, que rastejaria atrás de seus passos se ela consentisse, que daria a vida pela sua sombra, que sempre fico contente só de fitar seus olhos, que...]


- Tchau. Obrigada pelo livro.

- Tchau. De nada.

4.1.07

O veneno da era dos homens

Não comam chocolate!
Não comam chocolate!
Não comam chocolate!
Não comam choco...argh... late!

Ele vai transformar-te num viciado, vai esvaziar seus já tão singelos bolsos e aniquilar suas tão restritas economias!
Ele vai tornar-te um obsessivo, e você virará um homicida inconseqüente, um fora-da-lei que dormirá na companhia de meia dúzia de gatos pretos num beco sujo e vil, vestido em maltrapilhos e com a barba a invadir-lhe o âmbito do tórax. Você será infeliz, andará sem calçados, sentirá a gélida e suja superfície do asfalto sem nada poder fazer, e estremecerá ante a brisa que noutros tempos encararia como simples e bem-vinda sensação de frescor e vivacidade.

A desumana conspiração da indústria chocolateeira inventa informações e encobre a verídica e indispensável verdade: o chocolate te matará! Proteínas? Ferro? Vitaminas? Calúnias contra a humanidade! Infâmias pelo dinheiro!

Abriram-me as cerradas órbitas a tempo! Não ingiro esse veneno há no mínimo cinco anos! Uma verdadeira vitória do bom-senso e da busca pela verdade...

Chocolate: o mal do século, o veneno da era dos homens. Não comam agora o que será, daqui a algumas décadas, a tentação que extinguirá a raça humana.

Chocolate genocida, chocolate viciante. Dá pra viver sem ele, e eu sou a prova disso.



xD

30.12.06

Avenida Niévski, primeira à esquerda; falar com Fierfítchkin

Eu tenho que parar de escrever posts pessoais e particulares e reservados, restritos à compreensão de duas ou três pessoas, e quiçá de ninguém.

Droga.
Миха́йлович!

22.12.06

Queda

Quanto mais escrevo nesse blog mais me convenço de que, inegavelmente, estou a uma distância colossal de nomes como Luis Fernando Veríssimo, Walcyr Carrasco, Ivan Angelo (deus), Lya Luft, João Ubaldo Ribeiro e quiçá Diogo Mainardi. Falta-me criatividade e desenvoltura, isso é bem aparente. E, ademais, o meu problema-mor de não conseguir criar orações decentes nem de saber escolher as palavras certas é irremediável e nunca será sanado.

Enfim, abdico neste exato momento dos meus devaneios de ser um consagrado escritor e cronista e das minhas quimeras de viver das letras e tornar-me imortal à mercê de minhas publicações. Isso me provoca uma dor violenta no coração, e tenho agora uma vontade pulsante de rasgar o peito e partir o crânio*. Mas é preciso dar razão à verdade evidente: há milhares de pessoas de talento mais refinado que o meu. Meros exemplos são o Cleiton e o Rezende, além da Carol, do Tiozão e da Vivian. Deixo nas mãos deles, tristemente, a possibilidade de um futuro brilhante e promissor.

E quem dera eu soubesse de antemão que apenas desperdicei tempo ao rascunhar há alguns meses atrás as primeiras linhas do meu trágico romance de amor. Já tinha a história toda formulada, mas... foi tudo em vão. Paciência. A dúvida que fica é se eu guardo-a para o futuro ou jogo-a no mar do esquecimento (leia-se lixo).
E pensar que tudo isso (incluindo o blog) começou graças à minha vaidade, à minha certeza de poder escrever tão bem quanto Dostoiévski....



Bah, por fim: viva o Paulo Coelho, o pior escritor que eu já li e, em contrapartida, um dos mais prestigiados em todo o mundo.
Brindes ao mago! êê! Ele é o meu herói.


*da obra Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe.

21.12.06

Preito amoroso pt.2

Procurei por entre os galhos nas copas d'árvores, busquei nos vales obscuros e nos abismos d'água, por entre os corais e embarcações naufragadas. Vistoriei embaixo de pedras que viram nascer o mundo, vasculhei o passado em livros e periódicos e perguntei a decrépitos anciãos, portadores da sabedoria acumulada de uma vida inteira. Mas não achei. Não consegui achar uma representação, uma demonstração sequer, nenhum objeto ou idéia ou palavra ou momento ou visão que substituisse e representasse melhor a idéia que três palavras rabiscadas no verso de uma lição de matemática transmitiam.
"Perene, terna, esplêndida."


(...)
E um violino solitário tocava no fundo da praça sua valsa melancólica, sob uma torrente de ventos que levavam o triste som até os confins da cidade, acordando e comovendo centenas de pessoas recém dispersas de seus leitos em trevas.
E pouco a pouco, noite após noite, valsa após valsa, um burburinho elevou-se e chegou aos ouvidos daquele que vos escreve:
"Uma rosa, uma rosa cheia de espinhos.
Uma flor caribenha rara envolta por milhares de beija-flores."


Basta.
Ponto.

Em memória à um Ariza, mais especificamente à Florentino: "uma deusa coroada".

19.12.06

T de ...tchau!

(...)
- Então quer dizer que a gente nunca mais vai se ver? - indaga ele, calmamente, colocando suas mãos em meus ombros.
- É, acho que sim. Graças à Divina Providência eu nunca mais vou ter que olhar pra sua cara - respondo rispidamente, tratando de me desvencilhar de tão indignas patas e de tão falsas estimas.
- Mas...
- Mas o quê? - protesto irritado.
- Por que tanta aspereza? - rebate ele, dissimulando não saber o motivo de minha gana. Uma lágrima cai dos seus olhos. - O que eu te fiz?
- Saia da minha frente, por favor. Saia agora!
- Mas... mas...

Ele se vira, e começa a dirigir-se para a portinhola de saída, cabisbaixo. De longe diviso um chinelo, e acredito ser o direito. Aviso-o:

- Ei, pegue o seu chinelo. Esqueceu-o aqui no chão.
- Ah, obrigado. - diz ele, quase esboçando um sorriso. Pega o chinelo e olha-me nos olhos, mas eu não retribuo o olhar. Aponto-lhe a porta da forma mais despótica possível.
- Obrigado nada. Agora caia o fora daqui! Não vê que é uma presença não desejada?
- ...
- Espero nunca mais te ver na vida. - desabafo, prestes a chorar.
- Tchau, então. Até nunca mais. - sua voz rouca, grave e um tanto melosa causa-me enjôos.
- ...... - mordo a língua e olho para o céu. O meu silêncio sintetiza um período de mais de dois anos de indignação e resignação.


E ele se vai, cambaleando silenciosamente por entre as árvores e becos. Eu fecho os olhos e, numa última torrente de raiva e desespero, sussurro:
- Desgraçado!

16.12.06

Rosa

ele teceu uma torre, para alcançar a Lua. Saiu de seu mundo para alcançá-la, e quando estava bem perto, a Lua, com um olhar, fez desmoronar o pobre edifício e ele caiu de cara no chão.

Metade dele sente raiva, pela dor da queda, pela perna quebrada, por ter tido o ego narcísico ferido. Quer causar remorso, fazer sofrer também.
Mas a outra metade compreende, e tenta conter as lamúrias para não causar peso na consciência.

ele não quer esquecer, sabe que seria um enorme desperdício de vivência. Quer agora sublimar. Já tentou pela arte e pelo cansaço físico, e agora tenta a escrita.

"Ela chega em casa, vem de uma festa, tem o vestido novo. O cão, ao sentir a vinda, balançando o rabo, corre pra subir na dona com suas patas sujas de lama. Ela, querendo preservar a nova roupagem, manda o cachorro embora, enxota-o. O cão, confuso, desenganado, volta andando pra sua casinha, com o rabo entre as pernas, cabisbaixo.
No dia em que se segue, ela, de chinelos e bermuda, vai atrás do cão, desculpar-se pela indelicadeza. O cão aparece, balançando o rabinho, sem mágoas do dia anterior"

ele pretende ser como o cão.

Atenção: esse texto contém incontáveis simbolismos e metáforas que apenas meia dezena de pessoas irão compreender, portanto não tente achar significados em partes não compreendidas.

3.12.06

E Ela foi embora sem dar tchau

Entrava na sua apertada alcova, sob um fino e elegante chuvisco outonal quando, de forma paulatina e sedutora, o encapuzado atroz sem rosto fechava as escarlates cortinas do derradeiro dia, e o gorjear dos pássaros se transfigurava em estrelas mudas, e todas as cores do mundo viravam uma só.

Estava cansado - encarcerado em uma rotina extenuante e previsível, angustiado por uma insensatez laranja inexplicável. Deitou-se na cama ante os remotos e incessantes uivos dos lobos da estepe, e tão logo adormeceu que sequer trocou os trajes plebeus ou tirou as botinas sujas, tendo ainda no rosto o disfarce dos sorrisos dissimulados que usara no decorrente dia, enganando as pessoas e a si mesmo.

E lá fora, na penumbra hermética e nas brumas gélidas, no decadente trono sentados estavam, envoltos por borboletas amarelas e tendo às suas patas heliotrópios pisados e apodrecidos. Os cabelos lhe caíam no rosto, tinham gostos requintados e coração austero. Olhavam com suas repugnantes órbitas para o cândido adormecido que dormia, que dormia e que dormia entre cobertas de angústia e que se remexia, revirava e gemia na vã tentativa de esquecer tudo. Olhavam às gargalhadas e escarravam lucidez. Eles, os que olham, não têm nome e nunca terão, pois para sempre e desde o princípio estavam marcados pelo estigma dos seres indignos da vida.

Fez-se dia e, servindo de preâmbulo para o irremediável porvir, choveu sangue de um céu dilacerado. O desafortunado ser acordou e, ao divisar seu horizonte inteiramente tingido de vermelho, caiu em prantos abundantes, vendo que finalmente chegara o tão aguardado dia.
Vagarosamente pegou a carabina do fundo do armário e se dirigiu para fora daquilo que por toda a vida chamou de lar, obstinado a pôr fim ao seu cruel sofrimento. A relva estava vermelha, o céu estava negro, e ele cambaleava diante das lembranças de tantos dias e noites. O vento gélido do norte ruborizava a sua tez. Direcionou o revólver para o seu peito e, numa onda de profundo ressentimento e mágoas, apertou o gatilho sem exitação. A bala atravessou seu coração num grito surdo, rasgando as entranhas de um ser arrependido. Ele se espatifou no chão, e agora não passava de uma carcaça sem vida, o remanescente de uma existência com mais altos do que baixos. Recomeçava o chuvisqueiro rubro quando, pouco a pouco, iam baixando os urubus. E Ela, sorridente e terna, camuflada por entre os arbustos encharcados, foi embora de mãos dadas com os indignos sem-nome, sem dar tchau.

E imediatamente após a fatalidade o esquecimento tratou de tecer a sua própria mortalha, e a importância cuidou de organizar o seu próprio funeral, de modo que nos dias de hoje não é possível saber a identidade do suicida e nem o motivo de tão horrendo ato.

Atenção: esse texto contém incontáveis simbolismos e metáforas que apenas meia dezena de pessoas irão compreender, portanto não tente achar significados em partes não compreendidas.

16.10.06

Esclarecimentos

Paciência é tudo que lhes peço.

Estou com um problema grave: não consigo escrever, e por tempo indeterminado.
Não, eu não perdi o braço ou fiquei privado da vista.
Acontece que as palavras não vêm como sempre vinham antes, tão naturais e mágicas.

Por favor, sejam solidários com o meu temporário problema e não se aborreçam.

Prometo-lhes que logo volto com um texto decente (sim, tenho tentado escrever, mas os rascunhos estão mais lastimáveis do que nunca!).

Perdão.
Perdão.

1.10.06

Eleições

Saíram cedo de casa, a fim de evitarem filas e maiores confusões. Papai votou no Lula. Mamãe, no Geraldo. Confesso que mantive-me apático e taciturno na maioria das discussões sobre política que aconteceram aqui em casa, porque, afinal de contas, elas nunca terminam com um pacto amigável, nunca chegam a lugar algum. Ainda bem que eles não levam essas conversas tão a sério quanto deveriam, visto que, do contrário, eu já seria um garoto órfão.

Se tenho apreço por algum candidato? Faça-me rir, estimado leitor, faça-me rir. Mantenho a firme resolução de adiar ao máximo possível a saída do meu título de eleitor dos confins nefastos do prédio atarracado do cartório da Casa Verde, e, para falar a verdade, tenho um grande repúdio por ambos os candidatos, cada qual com seus próprios escândalos e mentiras, promessas e embustes.

De um lado, um metalúrgico “do povo”, que diz não ter conhecimento de nada que aconteceu e acontece ao seu redor, no seu ambiente de trabalho e na sua casa; do outro, um calvo sempre bem vestido em paletós pretos e azuis que, para falar a verdade, não inspira o mínimo de confiança. O primeiro promete aumentar o salário mínimo; o segundo promete benefícios aos proprietários de pequenas e médias empresas. Blá-blá; blá-blá-blá. Que vença o preferido do povo! Estamos, afinal, numa democracia. Eu, sinceramente, não me importo. Muita pouca coisa mudou nos últimos quatro anos no meu dia-a-dia. E tenho a obstinada convicção de que nada mudará nos próximos anos também.

É triste, mas esses cento e vinte e tantos milhões de votos de negros, brancos, amarelos e vermelhos decidirão apenas uma coisa, de fato: o próximo alvo de Diogo Mainardi e Arnaldo Jabor.

Eu tenho pleno conhecimento da minha limitação no assunto. Xinguem-me à vontade, petistas e tucanos! Marquem meu nome nas suas respectivas listas negras e assassinem a minha opinião e o meu corpo. A generalização na política é inevitável, vocês hão de concordar. Peroba neles!

Ponto.

27.9.06

De livros

Porque existem dias tristes e dias tristes.

Alguma alma caridosa dispõe de soma em excesso?
Alguma alma caridosa disposta a compartilhar tão adorável e, nesses tempos, tão necessária fuga?

Helmholtz e Bernard, queimem no fogo do bom-senso.
Ardam nas chamas quentes da razão.
Afoguem-se nos prantos do gás nobre.

Porque vocês, afinal, são desordeiros da perfeição.

.

Aos entendidos, apreciem a minha estupidez.

26.9.06

Preito amoroso pt.1

Ai se pudesses ver! Ai se pudesses ouvir, sentir, entender os meus monólogos a respeito de ti, rainha soberana que, vigorosa, paira acima das nossas razões e sentidos!

Dama formosa, anjo perfeito, tua voz me estremece a alma! Teu silêncio rouba minha sanidade! Teu silêncio, teu silêncio! Céus, admiro-te tanto, impecável deusa!

.

25.9.06

Ronc, Roonc, Ronc!

Mal havia terminado uma pífia prova de História quando, sem aviso precedente ou advertência prévia, minha mimosa barriga, tão suscetível a adversidades e maus tratos, clamou por comida quente e bem recheada. Roonc! Roonc! Olhares de reprovação, junto de risinhos contidos, povoaram o meu breve horizonte. Roonc! Céus, e ainda não passavam das nove! Minhas infindáveis tentativas de domar minha fome foram em vão, em vão! Tardes sem Bono e manhãs sem bolo não me fizeram uma pessoa mais forte. Um banquete régio não me saciaria!

Em desespero crescente, adentrei na cantina, no bom e caro ambiente de trabalho de humildes funcionários em azul. Lado a lado, saudaram-me com expressões que iam do mais alto bom nível – “Ôah, firmeza?” – ao mais baixo e incrédulo nível das ofensas diretas – “Fala aí, viado, beleza?”.
Após ritos capitalistas que, se me permitem, oculto nessas linhas, dei a primeira mordida na massa quente e apetitosa do pão-de-queijo. Ah! Bem-aventurados aqueles que, numa casualidade divina ou obstinação convicta, inventaram o pão-de-queijo! Que minhas lágrimas (custoso pranto!) de gratidão lhes sirvam de agradecimento e/ou reconhecimento.

E, eis que por volta da quinta mordida, um sujeito afeminado e paradoxalmente muito barbado dá-me um soco nas costelas, de leve. Viro-me e ele me chama, simplesmente, de viado. Indignado, tento me defender, chamando-o de viadzinho. Ele me encara de alto a baixo e, perturbado com a afronta tão inesperada, vai para a cozinha prometendo revanche.

Nisso o Mario Bros e o Oliveira chegam em mim, ao mesmo tempo, e me perguntam, como se ainda não soubessem – pobres palermos -, se o barbado afeminado, mais conhecido como Erivaldo, era viado. Eu dou de ombros e forço um risinho simpático. O Oliveira abre os olhos até o máximo do humanamente possível e me pergunta, aos sussurros : “Vocês não tem um caso não, né?”. Eu dou outra – outra! – risada sem graça e digo que não, que não. Não, Po***! E vão para a cozinha, após o objetivo de encher-me a paciência ter sido cumprido com êxitos louváveis – me arrancaram sorrisos contagiantes, pois.

Enquanto mastigava a sexta mordida da deleitável comida dos deuses, quem me aparece? Chutem, chutem e chutem; não acertarão, vos digo! Por detrás do balcão, como que num passe de mágica, aparece o saudoso Seu Dionísio, tio do ricaaaço Celso. E o que ele vem me dizer? Ah, nada mais do que o provável, caros moçoilos! “Olha, esses caras são ‘tudo’ viado!”. São nessas horas que digo a mim mesmo, num solilóquio lastimoso, que Deus realmente não existe.

Onde já se viu pessoas adultas e maduras só falarem a respeito disso? Céus, é viado pra cá, viado pra lá. Viado em cima, viado embaixo. Ele é viado, você é viado. Eles são viados. Viado, viado, viado...
Sabe, às vezes, com tanta obsessão, chego a pensar que eles realmente são todos um bando de viados! Viadzinhos!

Coesos sejamos! Fortemente relutemos!
Alguém, por favor, vai comprar meu pão-de-queijo, porque eu estou esfomeado!
Voltar lá, nem pensar! Bando de loucos paranóicos!


Certo, certo. Seja forte, caro leitor. Assim termina, de modo brusco e sem criatividade, essa epopéia de trezentas folhas. Seja forte. Não chore em cima do teclado. Seja forte, e esmurre-me à vontade quando me avistar. É sério. E perdão, realmente peço perdão pela grande quantidade de palavrões proferidos. Senhoritas, perdoem-me.

23.9.06

Nasceu

Tenho agora as tão desejadas tardes livres. Depois de um semestre de exaustivas e inúteis aulas vespertinas de ... (argh, isso talvez seja assunto para um outro post) , posso finalmente estrear este que será sem dúvida o mais balburdioso e odiado blog da rua D. e adjacências.

Muito bem-vindo. Muito bem-vindo. Curiosos de plantão e/ou admiradores da boa e singela literatura de fundo de quintal, sejam todos bem-vindos. Acomodem-se! Abusem do vinho e dos risoles de presunto e queijo, porque os próximos posts - este não conta, como você bem vê - chegarão, em ritmo frenético e contínuo, aí no seu lar muito em breve. Putz-Putz. (I may be paranoid, but not an android.)

Não quero vos enganar, pois. Não verás aqui nada titanicamente bem escrito, e tampouco lerás algo que transformará para sempre a sua concepção de mundo - afinal, sou apenas mais um garoto imberbe e tímido aspirante a escritor. Se você quer, por ora, um sábio conselho, vá ler Machado ou Veríssimo agora mesmo. Vai! Vai queimar as obras tão bem-sucedidas e igualmente lastimáveis do Pauno Coelho. Vai! Vai!


Boa-sorte a mim. Paciência a você, caro amigo.
Troquem os óculos e dêem água nas plantas: a jornada começou.

(Aqui, aqui! Vai, vai! Quem não escreve, enfim, melhor do que aquele barbado aspirante a filósofo?)